Sobre o rio descem
cordas e madeiras
a remos de metais
É como o sol nas águas , no arvoredo verde
que as águas reverdece de verdura e sombra.
Crepitam trompas e destilam flautas
na crespa ondulação que as proas tangem
e morre em margens de oboé e bombo,
cadenciando o choque das remadas de ouro.
A brisa flui
serena e fina
em cabeleiras
e em rendas que
ondulam
risonhas e solenes
sobre os bordados esparzidos, prata
que dança e salta enquanto
as barcas se meneiam
na transparência opaca das águas como céu
azul que a tarde por silêncios tece
em majestade eterna e momentânea
dos astros em curso.
Habitados só
por deuses e pastores
gerados na saudade
da simples harmonia
contrapontada na invenção da vida,
os planetas pisam abstratas órbitas
à luz de um sol de que recebem foco.
E as barcas descem temporais o rio
de cujas águas são flutuante forma
da eternidade do destino ignoto.
Com pompas e sorrisos
os instrumentos tocam
virilmente lânguidos
a circunstância de uma festa aquática:
secreta e oculta uma melancolia
dessas grandezas que ordenadas fluem
a remos de metais no efémero perene
de que o eterno faz a sucessão de instantes.
Os últimos acordes como vénias passam.
O sol dardeja sobre as frondes. Tronos
dourados se dissolvem no reflexo das águas
que a música prolonga em gloriosas tardes.
E a glória se dilui de etéreas trompas
que as cordas acompanham sobre os rios
de música tão régia que a existência vive
o ato de pensar na ordem recriada.
in “Arte de Música” | 1968