Quando, num sono aéreo, tudo dorme,
E a treva lembra luz adormecida…
E o silêncio, quimérico e disforme,
É só uma canção interrompida…
Quando um pinheiro, além, na indecisão
Da noite, que o perturba e lhe faz mal,
Se vê, perdido em vaga confusão,
Tornar-se um ermo e vago pinheiral;
Quando, na sombra espessa, ó minha fonte,
Desliza, anseio de água, a tua voz,
De som molhando o rosto do horizonte,
Que sofre e chora, às vezes, como nós…
Quando em paz tudo dorme, eu sonho e cismo.
Remorso? Exaltação? Delírio a arder?
E ouço vozes, que vêm dum fundo abismo,
Por minhas mãos, aberto no meu ser!
E ouço vozes e passos… Quem me fala?
És tu, ó chuva? ó vento? ou serei eu?
Ah, como distinguir a minha fala,
Das vozes que andam, tristes, pelo céu!
Já de tanto sentir a Natureza,
De tanto a amar, com ela me confundo!
E agora, quem sou eu? Nesta incerteza,
Chamo por mim. Quem me responde? O mundo.
Chamo por mim; e a estrela me responde.
Chamo, de novo; e diz o mar: quem chama?
E diz-me a flor: onde é que estás? aonde?
Vede a sorte terrível de quem ama!
Quem é somente amor desaparece;
Deixa, para ser tudo, de existir.
Por isso, enquanto o Amor nos entristece,
Tudo, em volta de nós, está a sorrir…
Qual é a tua alegria, ó Criação?
A dor da criatura. E sendo assim,
A alegria do nosso coração
É a dor universal que não tem fim!
Viver, é receber a vida alheia;
Mas quem falece, entrega a própria vida.
E, para que dê luz minha candeia,
Quanta gota de azeite consumida!
E Deus se exalta e vivifica, em nós;
E nós, em Deus, morremos, por amor.
O silêncio divino é a minha voz,
A alegria divina é a minha dor!
Ó Deus, tu és, em mim, fragilidade;
Sombra que, por encanto, surge e passa…
E nele, sou profunda Eternidade,
Êxtase, Beatitude, Enlevo e Graça!
Orar, é a gente ver a Deus, em si,
E ver-se a gente, em Deus. Nessa visão,
Homens da terra, os olhos consumi!
A esse fogo deitai o coração!
Ah! cada cousa humilde ou criatura,
É a lenha que conserva, sempre acesa,
A fogueira de Deus, na noite escura
E gélida e sem fim da Natureza!