Avançar para o conteúdo

PALAVRAS27

Prelúdio

Pela estrada desce a noite 
Mãe-Negra, desce com ela… 

Nem buganvílias vermelhas, 
nem vestidinhos de folhos, 
nem brincadeiras de guisos, 
nas suas mãos apertadas. 
Só duas lágrimas grossas, 
em duas faces cansadas. 

Mãe-Negra tem voz de vento, 
voz de silêncio batendo 
nas folhas do cajueiro… 

Tem voz de noite, descendo, 
de mansinho, pela estrada… 

Que é feito desses meninos 
que gostava de embalar?… 

Que é feito desses meninos 
que ela ajudou a criar?… 

Quem ouve agora as histórias 
que costumava contar?… 

Mãe-Negra não sabe nada… 
Mas ai de quem sabe tudo, 
como eu sei tudo 
Mãe-Negra!… 

Os teus meninos cresceram, 
e esqueceram as histórias 
que costumavas contar… 

Muitos partiram p’ra longe, 
quem sabe se hão-de voltar!… 

Só tu ficaste esperando, 
mãos cruzadas no regaço, 
bem quieta bem calada. 

É a tua a voz deste vento, 
desta saudade descendo, 
de mansinho pela estrada.. 

in “Lisboa” |1951