Senhores jurados sou um poeta 
um multipétalo uivo um defeito 
e ando com uma camisa de vento 
ao contrário do esqueleto 
Sou um vestíbulo do impossível um lápis 
de armazenado espanto e por fim 
com a paciência dos versos 
espero viver dentro de mim 
Sou em código o azul de todos 
(curtido couro de cicatrizes) 
uma avaria cantante 
na maquineta dos felizes 
Senhores banqueiros sois a cidade 
o vosso enfarte serei 
não há cidade sem o parque 
do sono que vos roubei 
Senhores professores que pusestes 
a prémio minha rara edição 
de raptar-me em criança que salvo 
do incêndio da vossa lição 
Senhores tiranos que do baralho 
de em pó volverdes sois os reis 
sou um poeta jogo-me aos dados 
ganho as paisagens que não vereis 
Senhores heróis até aos dentes 
puro exercício de ninguém 
minha cobardia é esperar-vos 
umas estrofes mais além 
Senhores três quatro cinco e Sete 
que medo vos pôs por ordem? 
que pavor fechou o leque 
da vossa diferença enquanto homem? 
Senhores juízes que não molhais 
a pena na tinta da natureza 
não apedrejeis meu pássaro 
sem que ele cante minha defesa 
Sou uma impudência a mesa posta 
de um verso onde o possa escrever 
ó subalimentados do sonho! 
a poesia é para comer. 
Natália Correia in “As maçãs de Orestes” | 1970
 
								